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24 de Abril de 2024

Por uma lei da responsabilidade educacional

O Ideb, Índice de desenvolvimento da Educação Básica, revela se a escola vai bem ao medir o desempenho dos estudantes. Pela Lei da Responsabilidade Educacional, o valor arrecadado pelo Fundeb seria dividido de acordo com a melhoria do aprendizado do estado ou município apontada pelo Ideb

Publicado por Hélber Freitas
há 9 anos

Em livro publicado há dez anos, defendi a criação de uma Lei da Responsabilidade Educacional (LRE). A semelhança com a Lei de Responsabilidade Fiscal é conceitual: assim como aquela lei foi aprovada quando o país acordou para o imperativo de acabar com a inflação e se deu conta de que seria necessário disciplinar as contas públicas para chegar lá, gostaria que a aprovação da LRE viesse como marco do nosso reconhecimento de que, hoje, o principal problema a atravancar nosso desenvolvimento é a abismal qualidade de nossa educação. E, precisamos, novamente, de um esforço nacional para garantir que nossos alunos aprendam.

Como funcionaria a LRE? De forma bastante simples: ela faria com que os recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) passassem a ser distribuídos de acordo com a melhoria de aprendizado observada em estados e municípios, em vez de seguir critério atual, de necessidade. Hoje, o Fundeb é formado pela contribuição de uma série de impostos. Não é pouco dinheiro: a estimativa para 2014 é que esse montante chegue a 117 bilhões de reais.

Desses recursos, 92% vêm dos próprios estados e municípios, mas, sempre que o arrecadado não cobre um valor mínimo de gasto por aluno (atualmente estabelecido, pelo governo federal, em 2285 reais para o ano), a União precisa fazer uma complementação de recursos para os estados que não conseguem investir esse mínimo. Em 2014, o aporte da União deve ser de 9,7 bilhões de reais. O montante de recursos distribuído para cada estado e município é baseado no seu número de alunos matriculados no Censo da Educação do ano anterior. Entendeu? Não? Não se apoquente: a maioria dos gestores de educação também não entende. Mas uma coisa todos os envolvidos entendem: o checão gordo pingando em suas contas todo mês. E o que acontece quando você junta muito dinheiro com nenhuma necessidade de resultados, no nosso Brasil? Isto mesmo: corrupção e incompetência. Como você sabe, nosso sistema educacional está atolado. E, como o Fundeb não se preocupa com o resultado que seu ervanário vai gerar, ninguém pode cobrar sua eficácia. A única coisa que se pode cobrar é que o dinheiro não seja desviado. Mas, em um sistema com 27 estados e mais de 5500 municípios, com 50 milhões de alunos, 200000 escolas e 5 milhões de funcionários, essa fiscalização é quase impossível. No ano passado, a Controladoria-Geral da União fez um pente-fino em uma amostra de 120 municípios e quatro estados, e os resultados foram um show de horror: em 59% dos locais havia gastos não compatíveis com o que o Fundeb autoriza; em 41% encontraram-se montagem e direcionamento de licitações; em 17% o dinheiro da Fundeb foi sacado cash, na boca do caixa (todas as referências estão disponíveis em twitter. Com/gioshpe). Em maio deste ano a Polícia Federal prendeu 29 pessoas no interior da Bahia acusadas de dar um golpe de 30 milhões de reais no Fundeb, entre elas seis ex-prefeitos e cinco secretários municipais.

A Lei da Responsabilidade Educacional jogaria todo esse arcabouço fora e faria a alocação de recursos de forma simples: pegue-se todo o montante arrecadado do Fundeb previsto em lei (excluindo-se a complementação da União, já que não haverá valor mínimo por aluno) e divida-se de acordo com a melhoria do estado ou município no último ideb. O Ideb, para quem não se lembra, é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, Quase que toda escola pública tem um, calculado pelo MEC. Eu gosto de chamá-lo de a nota que a escola recebe. Ele é medido combinando-se duas dimensões: o desempenho dos alunos na Prova Brasil (que mede conhecimentos de português e matemática) e as taxas de aprovação/reprovação das escolas. Essas duas áreas são combinadas no Ideb, um indicador que vai de 0 a 10 e é um bom termômetro de quantos alunos estão aprendendo o quê.

Eis aqui, então o cerne da LRE: a fatia de cada estado e município no bolo total será determinada por sua melhoria no Ideb, medida em termos relativos (em porcentual). E ponderada pelo número de alunos da rede. Se pensarmos, para facilitar a compreensão, em um país composto apenas de duas cidades, com o mesmo número de alunos e 100 reais para dividir no Fundeb, se cidade A melhorar 5% no Ideb entre 2011 e 2013 e a cidade B melhorar 10%, então a cidade B recebe o dobro da cidade A (10/ (10+5) x 100 = R$ 66,66 para a cidade B e R$ 33,33 para a cidade A). Quais são as vantagens dessa lei?

A primeira é que o gestor público vai, finalmente ter um incentivo para gerar melhorias na qualidade de sua educação. A segunda é que, como o critério para a alocação do recurso é melhoria relativa, de uma edição do Ideb para a outra, nós recompensamos aqueles que fizeram o maior avanço, não aqueles que têm os melhores resultados absolutos. Ou seja, se uma prefeitura tinha Ideb 8 em 2011 e ficou com 8 em 2013, ela não receberá nada. Já outra que passou de 4 para 5 terá alcançado um aumento de 25%: um saldo importante, que provavelmente fará com que receba uma bolada. Isso incentiva os piores a melhorar: é bem mais fácil você melhorar 25% quando parte de uma base de 2, 3 ou 4 pontos do que quando está em 7,8 ou 9. É exatamente isso, como país, que queremos: que quem está bem continue bem continue bem, mas que os que estão lá embaixo melhorem muito, e rapidamente. Note também que o fato de a melhoria ser relativa significa que os mesmos esforços trarão recompensas decrescentes. Quando você passa de 2 para 4 pontos, o aumento de dois pontos significa uma melhora de 100%. Já quando vai de 4 para 6 pontos, o mesmo aumento de dois pontos agora representa uma melhora de apenas 50%. Tudo o mais constante, essa cidade receberia, no segundo biênio, a metade do dinheiro que recebeu no primeiro. Note também que todos terão, sempre, um incentivo para melhorar. Não há uma meta, ninguém fica desencorajado porque já bateu a sua meta. A cidade e o estado recebem de acordo com o que melhorarem: cada ponto decimal rende.

Finalmente, diminui muito a necessidade de monitoramento antifraude: se o sujeito gastar o dinheiro onde não deve, sua educação não melhorará, e ele não receberá nada na rodada seguinte. É um antídoto contra a corrupção e também contra um Estado pesado, que precisa de milhares de fiscais no cenário atual.

O principal risco da LRE é que ela incentive prefeitos e governadores a cometer fraudes com o Ideb, aprovando alunos que não aprendem, permitindo cola na Prova Brasil etc. Claro que toda fraude deve ser combatida, mas nesse caso a fraude, mesmo que não detectada, terá vida curta: como o que importa é a melhoria ano a ano, no momento em que a taxa de aprovação chega perto de 100%, o sujeito não ganha nada mais com a manutenção da fraude, já que seu indicador não melhorará. Quanto a fraudes na Prova Brasil, não será complicado, em uma base tão grande de dados, notar quais os pontos fora da curva em termos de desempenho e investigá-los. Como estamos falando de alunos de 11 e 14 anos fazendo a prova, acho difícil de acreditar que algum prefeito consiga arregimentar um contingente suficientemente grande de crianças para fraudar seu desempenho em uma prova sem que essa notícia vaze.

Logo depois da publicação do livro, alguns parlamentares compraram a ideia da criação de uma LRE. Mas apenas mantiveram e deturparam seu sentido, colocando punições para os gestores públicos que não conseguissem alcançar certos resultados. Não creio que uma lei assim tenha chance de ser aprovada, tampouco me agrada a ideia de alguém, em Brasília, determinar metas para todos os municípios do país, e depois um julgamento em que o prefeito vai utilizar todo tipo de motivo para explicar o não cumprimento da meta, em momentos que se arrastarão por anos. Espero que o próximo presidente e a nova turma de parlamentares ressuscitem a legislação em seu formato original, e que paremos com essa tara de saber apenas se todas as cláusulas de uma lei estão sendo cumpridas, em vez de nos perguntarmos se o resultado desejado está sendo alcançado. Se nossos alunos não aprenderem mais, nada disso valerá a pena.

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Gustavo Ioshpe é economista.

*Realçou-se, no bojo de todo o texto noticiado, em negrito e itálico, toda a problemática informada, e sublinhou-se as soluções hipotéticas e despretensiosas com a denominação “metas”, não obstante o repassador da notícia publicada pela revista VEJA conservou integral e fielmente a correspondência autoria e texto, e tais destaques gráficos assim delineou, com o mero escopo de ressaltar o brilhantismo de um texto que não se cingiu tão só aos problemas postos, muito pelo contrário, aduziu soluções, mesmo que não aprofundadas e pretensiosas, com lucidez de raciocínio indizível, esclarecedora e densamente informativa.

Vale ainda destacar, que as informações encontradiças nas páginas da notícia repassada, em infográficos com informações altamente relevantes e interessantes estatísticas não foram aqui repassadas propositadamente pelos seguintes motivos: atrair o leitor interessado para a matéria publicada originalmente na Revista Veja (“vide” fonte abaixo informada); e, não imprimir nem mesmo remotamente ideário de cunho e finalidade eleitoreiros.

Fonte: Revista Veja, Editora Abril, edição 2396, ano 47 – n.º 43, 22 de outubro de 2014, páginas 98 e 99.

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